terça-feira, 23 de setembro de 2008

Internet gratuita para a população: sim ou não?

Quando se pensa em Cidade Digital, uma das primeiras coisas que vêm à cabeça é a imagem idealizada de um município com acesso universalizado da população à internet.
Um cenário em que todos têm direto ao uso gratuito da web, provida pelo poder público. A prática, no entanto, tem mais nuances do que a imagem idealizada permite antever. Nesse contexto, existe uma posição consagrada a respeito da viabilidade do assunto. A resposta é não − e ainda se está bem longe de existir.
Olhando as experiências práticas no Brasil, percebe-se que as cidades que implementaram internet gratuita para toda a população são de pequeno porte. Alguns exemplos são Pedregulho (SP), de 15 mil habitantes; Sud Mennucci (SP), com 8 mil pessoas; Quissamã (RJ), que tem 17 mil habitantes, e Vacaria (RS), cidade de 63 mil pessoas. Municípios grandes não se aventuram a tentar oferecer acesso gratuito a todos. O presidente da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo (Prodam), João Otaviano Machado Neto, já avisou, em entrevista ao Guia das Cidades Digitais, conforme a reportagem “Maior cidade brasileira integra ações de governo eletrônico", que a cidade vai oferecer hotspots, mas não haverá acesso à web universalizado e gratuito aos habitantes. “O custo de operacionalização disso é muito grande”, acredita. Por outro lado, Sergipe, menor Estado brasileiro, já anunciou que vai oferecer acesso gratuito à web.
Prós e contras
As escolhas dos governantes são as mais diversas, e as polêmicas em torno do assunto são muitas. “Internet gratuita para quem e para quê?”, pergunta, enfaticamente, Jorge de La Rocque, presidente da Global Info, associação que reúne mais de 700 pequenos provedores de internet de todo o Brasil. Segundo ele, pessoas com poder aquisitivo mais alto - e que, portanto, poderiam pagar pelo acesso - não devem desfrutar de internet gratuita. “Algumas outras áreas devem ser priorizadas antes, como saúde e educação”, acredita. Considerando que o poder público usa o dinheiro gerado pelos impostos pagos, ele defende que governos devem fomentar ações para a iniciativa privada criar os recursos que eles próprios vão utilizar posteriormente, e não concorrer com ela.
O professor Leonardo Mendes, coordenador do Laboratório de Redes e Comunicação da Universidade Estadual de Campinas (LaRCom/Unicamp), tem opinião diametralmente oposta. “Se já pagamos os impostos, por que pagar novamente [pelo acesso a ser provido pelo poder público]? Os custos associados às infovias são menores que os custos típicos de manutenção do serviço telefônico pelas prefeituras. E ainda incluem estes últimos. Assim, as infovias geram economia e não custos. Fazer uma infovia não significa gasto, mas sim investimento”, defende. Mendes refere-se ao uso da tecnologia VoIP, que normalmente proporciona economia de 30% a 50% nos municípios em que é adotada. Frente ao argumento de que as classes mais privilegiadas poderiam pagar pelo acesso, ele retruca: “mesmo os ricos já pagam os impostos. Então por que fazê-los pagar novamente? O objetivo da infovia é universalizar as comunicações e promover a integração social. Isto não ocorrerá se ficar algum grupo de fora, mesmo que estes sejam os 'ricos'”, ressalta, utilizando-se de lógica.
Também lógico, mas de opinião diferente, o consultor Newton Scartezini acredita que a discussão é parte de um debate mais amplo. “Que poderia ser resumido em uma pergunta: quem paga a conta pelos serviços? Todos ou quem os usa?”, resume.
Para ele, a oferta de internet gratuita tem como grande apelo a igualdade de oportunidades de uso, independente da condição econômica de cada um. “Entretanto, o serviço tenderá a ser mais utilizado exatamente pelos que poderiam pagar, que têm mais acesso a educação e informação e mais desenvoltura no uso de recursos. Até mesmo empresas seriam usuárias do serviço em grande volume, sobrecarregando a rede e aumentando seus custos. Os custos de investimento e de operação seriam crescentes e onerariam a todos os cidadãos, inclusive os que não são usuários do serviço, que são a maioria. Isso seria justo?”, questiona. Não é uma pergunta fácil de responder. Um exemplo talvez ajude a entender. Ou a criar mais perguntas. A cidade de Quissamã, no interior fluminense, começou a oferecer internet gratuita para todos os cidadãos em suas casas em 2005. Vizinha de Macaé, a cidade é credora de royalties de petróleo, o que permitiu o custeio do projeto. “A idéia era atender a população, no momento em que não havia provedor de internet no município e os estudantes não tinham como fazer pesquisas gratuitas”, conta Gustavo Carneiro, responsável pelo projeto.
A adesão foi muito grande e a rede começou a ficar superlotada. “Não estamos conseguindo atender, pois há um gargalo no link, e as operadoras não entregam as expansões na medida em que a gente precisa”, diz Carneiro. Assim, o projeto municipal pretende estimular que, agora, com a demanda já criada dentro da cidade, provedores privados forneçam banda larga para quem pode pagar, especialmente empresas, liberando assim a internet pública − que continuará a existir − para quem de fato não pode arcar com os custos.
A Oi provavelmente será a empresa a suprir essa demanda latente por provedor de acesso. Segundo o gerente do projeto de Quissamã, a empresa já tem cabos de fibra ótica na cidade (instalados recentemente) e duas mil casas já utilizam internet no município de 17 mil pessoas, mostrando, assim, o potencial do serviço. “O link público não passa de 128 kbps para o cidadão, limite que impusemos. Estamos tendo que buscar alternativas de outros provedores, pois senão ficamos o tempo todo investindo em link, em mais torres, mais rádios”, conta Carneiro. “O objetivo é oferecer a quem não pode pagar”, completa.
O exemplo ilustra as várias dificuldades práticas que podem ser encaradas nos projetos que oferecem internet gratuita. A busca de opções de modelos de negócio para cada caso pode ajudar na hora de decidir o que fazer. De la Rocque, crítico firme da internet gratuita, admite, no entanto que há modelos de negócio possivelmente viáveis e diz que os que deram mais certo são aqueles em que governos se aproximaram da iniciativa privada.
Newton Scartezini apresenta sua fórmula para que a idéia funcione: “Se o serviço for pago, como dar acesso a quem não pode pagar? Subsidiando apenas as pessoas de baixa renda, com a distribuição de cartões pré-pagos, ou oferecendo acesso gratuito em centros comunitários, onde haveria monitores para auxiliar os iniciantes, por exemplo. Seria mais justo e muito mais barato para os orçamentos municipais, o que traria maiores chances de sustentabilidade”, acredita.
Leonardo Mendes, por sua vez, sustenta que as infovias públicas representam, ao longo do tempo, economia para as prefeituras, o que justificaria o investimento na sua instalação. “A internet gratuita agrega valor a outras áreas de serviços públicos. Isto ocorre pela otimização de processos e disponibilização de serviços para as mais diversas áreas através da intenet, o que facilita imensamente a vida dos munícipes e gera economias substanciais para a administração pública”, diz ele. “Assim, meu posicionamento é que as municipalidades estão desperdiçando recursos públicos para cada dia que deixam de se modernizar e de modernizar sua comunidade com a construção de uma ´rede de comunicações comunitária aberta multisserviço de alta velocidade´, sendo que o nome é complicado mas a coisa é boa”, resume.
Fonte: Guia das Cidades Digitais
Maria Eduarda Mattar
19 de setembro de 2008

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