domingo, 14 de setembro de 2008

Machado, um clássico para todos

Complexos, questionadores e ricos em ironia. Assim são os contos e romances do nosso maior escritor. Justamente por isso eles podem e devem ser trabalhados a partir do 3º ano - para permitir que as crianças conheçam textos clássicos e aprendam a apreciar a literatura de qualidade.

Para homenagear o maior nome da literatura nacional no centenário de sua morte, 2008 foi chamado de Ano Nacional Machado de Assis. A idéia é aproximar ainda mais os brasileiros do pai de personagens como Bentinho, Capitu, Brás Cubas e uma infinidade de outros que fazem parte de nossa cultura. Dezenas de homenagens e eventos estão programados, como ciclos de palestras e debates em universidades de todo o país, uma exposição no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e especiais de TV, incluindo uma minissérie na Globo. Além disso, as obras completas do autor estão sendo relançadas, assim como publicações que se propõem a estudá-lo mais a fundo. Com o escritor tão em evidência, abre-se uma boa oportunidade de apresentá-lo aos alunos - mesmo aos das séries iniciais.

Para muitos professores, pode parecer impossível trabalhar nessa faixa etária os textos de Machado - considerados difíceis e muito refinados. Sem contar os enredos, antigos demais para agradar aos pequenos e jovens leitores. Um engano. A obra machadiana é extensa e inclui uma série de contos perfeitamente compreensíveis do 3º ano em diante, além de romances saborosos, com uma linguagem bem dinâmica, rica em ironia e que prende a atenção das classes do 6º ao 9º ano. "Autores como ele têm um papel muito importante na formação de leitores literários e devem ser apresentados desde os primeiros anos do Ensino Fundamental", garante João Luís Ceccantini, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).É por meio dos clássicos, como é o caso dos livros de Machado de Assis, que crianças e adolescentes passam a compartilhar referenciais lingüísticos, artísticos e culturais que permitem a eles estabelecer vínculos com as gerações anteriores e se integrar à cultura. Clássicos, como definiu o escritor italiano Italo Calvino, "são aqueles livros que chegaram até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)".

A qualidade da narrativa, a complexidade com que conf litos são nela expostos, a força das idéias que transmitem e os questionamentos que suscitam dão esse status a muitos dos escritos de Machado. O autor se destaca ainda por conseguir unir o erudito ao popular de forma única. Ele revolucionou a cultura nacional. Mulato, gago e epilético, em pleno período escravocrata, se tornou admirado e respeitado nos mais nobres salões da corte, contando histórias que ajudaram a moldar a noção que temos do que é ser brasileiro (leia mais sobre ele no quadro da página ao lado). Se atualmente é visto como um escritor erudito, um medalhão inalcançável, em sua época Machado era popular. Clássicos na sala de aula Ao ser lidos desde cedo, os clássicos são absorvidos de uma maneira muito especial porque "a juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares", definiu Calvino. E este é o papel da escola: possibilitar o acesso à ficção de qualidade de forma prazerosa. "Ler os clássicos desperta o gosto pela viagem, pela imersão no desconhecido e pela exploração da diversidade. A satisfação de se deixar transportar para outro tempo e outro espaço, de viver uma vida com experiências diferentes do cotidiano", ressalta a escritora Ana Maria Machado, autora de diversos livros sobre a leitura na infância. Ter personagens com os quais o leitor se identifica é mais uma das características dos clássicos. "Como aquelas pessoas estão em outro contexto e são fictícias, nos permitem um distanciamento e acabam nos ajudando a entender melhor o sentido de nossas próprias experiências", explica Ana Maria. O grande desafio é saber como trabalhar esse material em classe. "O ideal é utilizar meios que ajudem a seduzir os alunos", recomenda Heloisa Cerri Ramos, especialista em Língua Portuguesa e formadora do projeto Letras de Luz, da Fundação Victor Civita. A exibição de vídeos baseados nas histórias do autor pode ajudar (leia o quadro abaixo). Porém o mais importante é o professor contar a relação que tem com a obra, ler trechos dos quais possa falar com paixão e entusiasmo, mostrar os encantos (literários ou não) que chamaram sua atenção, as conversas com amigos que ela rendeu e quanto ele se identificou e descobriu sobre si mesmo em cada passagem.

Os estudantes se encantam pelo amor que o mestre sente pelas histórias e isso ajuda a mostrar que a leitura não é uma atividade mecânica. Muito pelo contrário. "A participação do leitor na construção do sentido do que está escrito é fundamental", ressalta Heloisa. Para Helena Weisz, especialista em Língua Portuguesa e Literatura, de São Paulo, o bom autor sempre deixa fios soltos. "Cabe ao leitor uni-los, fazendo perguntas e criando respostas." A função do professor é dar meios para que essas pistas sejam descobertas e, com elas, surjam os significados. Na literatura, tão importante quanto o que se diz é o como se diz. E na clássica essa característica é ainda mais latente. "Em arte, forma é conteúdo. Por isso, é preciso ressaltar a contribuição dos aspectos formais do texto", explica Helena. Dentre eles estão o uso figurado das palavras, o ritmo, as seqüências por oposição e simetria, as repetições de palavras e sons. "Outros elementos que podem ser fundamentais para desvendar o texto são o narrador, a caracterização dos personagens, o tempo, o espaço e o tipo de discurso", completa. Quando esses aspectos da história são destacados, a garotada passa a construir um sentido e a criar hipóteses interpretativas, que precisam ser ampliadas, confirmadas ou refutadas. É bom ficar atento, no entanto, a uma armadilha: em alguns livros didáticos, a literatura continua sendo usada como um pretexto para o ensino da língua, o que afasta qualquer um dos clássicos. "Os objetivos desse tipo de leitura não devem estar atrelados ao ensino de gramática, mas aos procedimentos de análise literária, do reconhecimento da complexidade de uma publicação e da relação entre o mundo das letras e a sociedade", destaca Heloisa Ramos. Outra estratégia ineficaz é pedir a leitura de um título específico e depois aplicar um teste. "Tentar criar o gosto pelos livros por meio de um sistema de forçar a ler só para fazer uma prova é uma maneira infalível de despertar o horror nos estudantes", defende a escritora Ana Maria Machado. Outro ponto importante: o educador necessita de muita preparação. Isso inclui reler o livro antes de indicá-lo - mesmo se já o fez outras vezes durante a vida -, conhecer como era a história do país na época em que foi escrito e descobrir aspectos da biografia do autor que possam gerar discussão. Nas palestras e exposições em homenagem ao centenário da morte de Machado de Assis, é possível se abastecer de informações. A internet também é uma aliada nessa missão. A Academia Brasileira de Letras, por exemplo, construiu uma página recheada de histórias e dados sobre o escritor e sua obra.

Quer saber mais?

CONTATOS

Educandário Torres Pádua, R. E- Loteamento Parque Imperial, 29, 23970-000, Parati, RJ, tel. (24) 3371-2159
EMEF Professor José Negri, R. Jordão Borghetti, 147, 14170-120, Sertãozinho, SP, tel. (16) 3942-2811

BIBLIOGRAFIA

Almanaque Machado de Assis, Luiz Antonio Aguiar, 312 págs., Ed. Record, tel. (11) 3286-0802, 50 reais
Como e Por Que Ler os Clássicos Universais Desde Cedo, Ana Maria Machado, 146 págs., Ed. Objetiva, tel. (21) 2199-7824, 32,90 reais
Dom Casmurro, Machado de Assis, 232 págs., Ed. L&PM Pocket, tel. (51) 3225-5777, 12 reais Machado de Assis, um Gênio Brasileiro, Daniel Piza, 416 págs., Ed. Imprensa Oficial, tel. (11) 3105-6781, 60 reais
Por Que Ler os Clássicos, Italo Calvino, 280 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 43 reais Um Apólogo, Machado de Assis, 32 págs., Ed. DCL, tel. (11) 3932-5222, 32 reais

Um comentário:

MC Bijoux disse...

Parabéns pelo seu trabalho
admiro muito quem tem a sua profissão